Minha pá

terça-feira, 30 de outubro de 2012 1 comentários

Eu tenho uma pá grandona. Muito grande mesmo. Grande demais.
Ela é suficiente para desenterrar todas as coisas que estão sob a terra.
Ela tira ossinho, mais fundo. Ela tira esqueleto, mais fundo. Ela tira fóssil, bem fundo.
Minha pá é espectral, que nem Ghoust Busters teriam.
Ela tira mal olhado do alguém. Ela tira alma penada do além. Ela me protege como ninguém.
Pensei em nomeá-la. Pensei em um nome profundo, mas mais profundo mesmo é onde essa danada consegue chegar.
Ela é violadora, não respeita nada alheio.
Cava, tira, expõe.  Trás à luz tudo que as trevas já haviam dragado. Pá purificadora, sacra.
Ela tira emoções, de dentro. Ela encontra o passado, veneno. Ela bate com força, ao terreno.
Mas como nada nessa vida é uno, minha pá profunda também age de má fé.
Por quantas vezes a grandona não enterrou meus erros, soterrou meus desejos, e desapareceu com minhas verdades?
Essa pá pode enterrar como nenhuma outra faria. Sua terra não é comida de minhocas. Sua terra não pode ser arada, tratada, revirada, trabalhada. É terra que quando dado um último tapinha com as costas da pá sobre ela ainda fofa, sela como uma prisão. Se tranca como um cofre.  Se perde como em Lost.
Retirar as coisas que a minha pá já enterrou é um hobbie para mim, um árduo, e que demanda de força. Ela não gosta de brincadeira. Quando dado por encerrado um trabalho, ela, minha querida pá, se reluta em desenterrar o que já fora feito. Mas eu nem ligo, continuo tirando tudo o que ela jogou nas trevas claustrofóbicas do subsolo.
Minha pá não se enferruja, não se desgasta, não se acaba com o tempo, mas eu sim.
E chegará o momento onde eu não terei mais forças para levantá-la. Nem para enterrar, tampouco para desenterrar.  Momento em que não me fará mais diferença esses pequenos detalhes.  Momento onde o superficial e o profundo serão a mesma merda, a mesma benção. Tudo e nada. Momento em que eu fecharei meus olhos e descansarei, finalmente, meus braços.
Mas até lá... é só eu e minha pá.