Eu tenho uma pá grandona. Muito grande
mesmo. Grande demais.
Ela é
suficiente para desenterrar todas as coisas que estão sob a terra.
Ela tira
ossinho, mais fundo. Ela tira esqueleto, mais fundo. Ela tira fóssil, bem
fundo.
Minha pá é
espectral, que nem Ghoust Busters teriam.
Ela tira mal
olhado do alguém. Ela tira alma penada do além. Ela me protege como ninguém.
Pensei em
nomeá-la. Pensei em um nome profundo,
mas mais profundo mesmo é onde essa danada consegue chegar.
Ela é
violadora, não respeita nada alheio.
Cava, tira,
expõe. Trás à luz tudo que as trevas já haviam
dragado. Pá purificadora, sacra.
Ela tira
emoções, de dentro. Ela encontra o passado, veneno. Ela bate com força, ao
terreno.
Mas como
nada nessa vida é uno, minha pá profunda também
age de má fé.
Por quantas
vezes a grandona não enterrou meus erros, soterrou meus desejos, e desapareceu
com minhas verdades?
Essa pá pode
enterrar como nenhuma outra faria. Sua terra não é comida de minhocas. Sua terra
não pode ser arada, tratada, revirada, trabalhada. É terra que quando dado um
último tapinha com as costas da pá sobre ela ainda fofa, sela como uma prisão.
Se tranca como um cofre. Se perde como
em Lost.
Retirar as
coisas que a minha pá já enterrou é um hobbie para mim, um árduo, e que demanda
de força. Ela não gosta de brincadeira. Quando dado por encerrado um trabalho,
ela, minha querida pá, se reluta em desenterrar o que já fora feito. Mas eu nem
ligo, continuo tirando tudo o que ela jogou nas trevas claustrofóbicas do
subsolo.
Minha pá não
se enferruja, não se desgasta, não se acaba com o tempo, mas eu sim.
E chegará o
momento onde eu não terei mais forças para levantá-la. Nem para enterrar,
tampouco para desenterrar. Momento em
que não me fará mais diferença esses pequenos detalhes. Momento onde o superficial e o profundo serão
a mesma merda, a mesma benção. Tudo e nada. Momento em que eu fecharei meus
olhos e descansarei, finalmente, meus braços.
Mas até
lá... é só eu e minha pá.