Este texto não é recomendado para menores de 18 anos por conter temática adulta. Tema: sexualidade, agressão, sexo, preconceito, e etc.
Todo ser humano, independente de cor,
orientação sexual, classe social, e idade, tem um segredo. Não importa o quão
puro e honesto você seja. Sempre haverá algo sombrio guardado em seu imo. Acho
que talvez isso seja da natureza humana. Não sei. Hoje eu contarei segredos.
Meus segredos.
Há algum
tempo atrás, num passado não distante, eu era um rapaz como outro qualquer.
Tinha meus sonhos, minhas ambições, e claro, meus segredos.
Cresci numa família de fé, no meio de mais quatro mulheres. Sendo elas minha mãe, duas irmãs – uma mais nova e uma mais velha –, e minha avó.
Cresci numa família de fé, no meio de mais quatro mulheres. Sendo elas minha mãe, duas irmãs – uma mais nova e uma mais velha –, e minha avó.
Meu pai
sempre foi um chucro, batia constantemente em todos nós, inclusive em sua mãe
idosa. Ele sempre me tratou como menina,
me invalidava sempre que possível. Por eu ser franzino me humilhava
verbalmente, me fazia motivo de chacota. Mas seu alvo principal era minha
mãe.
Ele gostava
de “tomar umas” após deixar a fábrica e sempre chegava bêbado. Fedia a cachaça
e cigarro, me lembro bem. Os olhos inchados e vermelhos, pequeninos, procuravam
por alguém. A quem seus olhos recaíssem primeiro era também quem receberia os
primeiro golpes. Geralmente socos e pontapés. Isso era uma rotina, até o dia em
que eu me tornei maior de idade.
Quando
completei dezoito anos decidi entrar para a Polícia Militar. Meu pai duvidou
que eu conseguisse, mas mesmo assim o fiz.
Aos dezenove já havia entrado. Sem grandes esforços eu o expulsei de
casa. Tornei-me arrimo de família. Respeitado e querido por todos familiares e
amigos. E foi nesse mesmo momento de inversão da minha vida que eu descobri o
que sempre temi: eu era gay.
Este sempre
foi o meu maior segredo, mas com o passar do tempo e assumindo o controle da
minha própria vida comecei a considerar mais a minha própria felicidade. Sempre
vivi em função dos outros. Mas não podia botar tudo a perder, não com seu novo
emprego e sendo o sustento de minha casa. E mais, se me assumisse como tal
talvez nem fosse mais visto com os mesmos olhos que antes. Quem foi agredido
tende a se tornar agressor. Minha mãe e avó eram extremamente preconceituosas,
e homofobia se encontrava inserida.
Não. Não
podia me assumir. O jeito era levar uma vida de negação. Eu encontrei a solução
em minhas amigas do tempo de escola. Forjava namoros de fachada. Atendia bem
aos meus propósitos. Ficava bem na família, e no batalhão também. Tudo ocorria
de acordo com o plano. Até o dia em que ao me perguntarem sobre minha
virgindade e assumi ainda tê-la intacta.
Os dias que
seguiram minha confissão foram de total inferno. Piadas, chacotas, deboches,
insinuações. E minha sexualidade fora posta em cheque. Minha camuflagem estava
cedendo. Precisava de uma solução.
Comecei a
pesquisar discretamente sobre como a homossexualidade era vista dentro da vida
militar. E o que descobri fora tão chocante quanto já deve estar imaginando. A
homofobia no batalhão tinha novo sentido. Era uma verdadeira guerra ideológica.
A opressão com meliantes homossexuais era agressiva: humilhação em público,
violência verbal e física. Um verdadeiro show de horrores.
Descobri
casos de ex-policiais que quando expostos sobre serem gays, foram atormentados
até cometerem suicídio. Só no meu batalhão dois se mataram. Em outro caso o
oficial teve que mudar para um batalhão em outro estado em sigilo máximo. Outro
não aguentou e se resignou do cargo. Enfim, um ambiente hostil para um cara
como eu, ainda mais em inicio de carreira.
O real
problema era que eu havia me afeiçoado a minha profissão. Após três anos eu já
estava completamente uníssono com o que fazia. Eu era bom, eu ajudava pessoas
que como minha mãe não tinha como se defenderem sozinhas. Não podia sair do
emprego que era o sustento da minha casa. Eu tinha que contornar a situação.
A solução
apareceu espontaneamente com meu capitão. A sua fama o precedia. Conhecido por
todos como “o comedor”, o capitão tinha sempre as melhores histórias para
contar. Um dia qualquer ele me abordou
falando sobre o mesmo que todos diziam ao me ver, qualquer besteira sobre eu
ser virgem ainda. Após zombar ele parou e me olhou. Considerou algo por alguns
segundos e então me convidou:
-Que tal
perder essa virgindade e de uma vez por todas e ser respeitado no batalhão?
Eu já estava
tão farto das afrontas dos outros soldados que aceitei a proposta. Só não
contava com o indecoro que seguiria. Ele me convidou a “comer” uma mulher da
qual ele mesmo estava tendo relações, sua amante.
-Ela é a
esposa de um médico. Acho que ela ficaria feliz em te fazer homem.
E assim
ficou combinado. A tal esposa do médico iria resolver o meu problema imediato.
Assim que eu transasse com ela as dúvidas sobre mim se calariam. Ou ao menos
era com o que eu contava.
No dia
combinado, após o trabalho, tomei um banho e me vesti. O capitão já estava me
esperando no lugar de encontro. Entrei no seu carro e partimos para um motel
onde a mulher já estaria me esperando. A única informação que eu tinha sobre
ela era que ela era infiel. Não precisava de nada além.
Próximo ao
motel desci do carro e entrei no porta-malas. O capitão não queria ser visto
entrando num motel com um rapazola.
Já estava à
porta. Meu coração batia como um tambor. As pernas bambearam, tremiam
involuntariamente. Era dado o momento, onde eu em nome de tudo o que acreditava
faria o meu maior sacrifício.
O capitão
abriu a porta e eu entrei. Deitada na cama estava uma mulher nua, no auge dos
seus quarenta anos. Toda despida com exceção do rosto. Ela vestia uma máscara
de carnaval. Era negra e tinha plumas saindo nas laterais, e cravada de
lantejoulas douradas no entorno. Acho que somente um gay para prestar atenção
aos detalhes da máscara quando havia uma mulher nua na sua frente. Seu corpo
era gordinho, como normal em uma mulher daquela idade. Pele clara, cabelos
negros. Ela fumava. Só depois de passado o choque que eu me dei conta do que
estava para acontecer, e acredite: eu não estava nada feliz.
Ouvi um
pigarro e quando dei por mim o capitão estava logo atrás. Com os braços
cruzados ele ordenou:
-Anda logo
menino, tire a roupa.
Naquele
momento eu já não compreendia o que estava acontecendo, e o que se seguiu até
hoje pra mim é doloroso.
Quando
pelado a mulher se aproximou, começou a beijar meu corpo, a me tocar onde
ninguém jamais tocara. Puxou-me para a cama e começamos a nos beijar. O capitão
por vezes dava alguma instrução, por outras alguma ordem. Ele participou
ativamente em todas as etapas.
Na minha
cabeça um turbilhão de coisas se passava. Sentia-me sujo, tinha nojo do que
estava fazendo. Aquela mulher me violava, me descaracterizava. Quanto mais me
tocava menos “eu” eu sentia em mim.
Aquela sombra no canto do quarto se tornou monstruosa. A voz do capitão
soava como o coro de demônios, me tentando, me azarando. Podia ver o deleite em
seus olhos. Ele, como uma ave carniceira, sentia prazer mórbido em me ver
agonizando na cama. Mix de raiva, nojo, e tesão.
Transei com
aquela total estranha por aproximadamente uma hora. A hora mais longa da minha
vida, eu não sentia prazer, foi uma tortura. A humilhação dentro de mim não
tinha precedente. Eu era um zero, não era ninguém. Me anulei de uma forma que
não pensava ser possível. Me omiti. Sentia algo que me fez chorar. Uma emoção
pesada, asfixiante.
Impaciente
por eu não gozar, o abutre ordenou que eu saísse da cama. E começou a se
despir. Entendendo o que viria pela frente me dirigi ao chuveiro.
Liguei a
água no mais quente possível e tentei tirar de mim aquele cheiro. Esfreguei
minha pele a ponto de machucá-la. Na minha boca o gosto da promiscuidade que
nunca quis. O suor e saliva de quem não representa nada para ele. Por que tinha
de ser assim?
Enquanto a
água caía eu ouvia os gemidos abafados do capitão. Ele despojava da sua amante
em volume alto deliberadamente. Queria que eu ouvisse o que estava fazendo,
como se fazia.
Fiquei
encolhido num canto do banheiro até que, como um porco, meu capitão finalmente
estivesse satisfeito.
Ao me deixar
em casa me olhou com malícia bestial e sorriu.
Passado a
noite mais desgraçada que eu já tive, fui para o batalhão colher os frutos de
meu maior sacrifício. Lá, todos riam e me abraçavam. Parabenizavam-me como se
eu fosse um herói de guerra. Elogiavam e brincavam sobre eu ter me tornado
homem. Mas nada daquilo apagava o meu sofrimento. Cada palavra dita eu sentia
meu eu se afundar dentro de mim. Era como se eu estivesse submerso e não
pudesse respirar. Todo aquele ambiente estava me matando.
Dentre as
perguntas de como fora minha noite, uma pessoa me chamou atenção. Um soldado
foi muito enfático em como seria a mulher com quem eu transara. As perguntas
eram precisas. “Ela era assim? Ela era assada?” E eu sempre confirmava.
Passado uma
semana como Deus no batalhão, minha vida finalmente se acertava. Ninguém mais
levantava o assunto de que eu poderia ser gay. Tudo ocorria bem. Mas o soldado
insistia em suas perguntas. E assim o fez até o dia em que me cansei e
perguntei o por que dessa insistência. E foi quando ele me levou até a tela do
computador onde um perfil do facebook estava aberto. E era ela, e mulher da
máscara de carnaval, tinha que ser. Mesma pele, cabelo, porte. Era ela.
-É ela, mas
o que é que tem? – indaguei desinteressado.
-Olhe
atentamente. – sugeriu o soldado.
E lá estava
seu relacionamento: casada com ninguém menos que o próprio capitão. Eu não
havia apenas transado com uma mulher casada. O abutre me levou para transar com
sua própria esposa.
Tamanho
desgosto, nojo, descrença, se apoderaram de mim depois desse fato que eu decidi
que minha felicidade precisa vir sempre em primeiro lugar. Deixei a Policia
Militar e me tornei um civil qualquer. Assumi minha sexualidade na família e
entre amigos, e fiz todos me aceitarem como sou.
Todo mundo
tem segredos, independente de cor, orientação sexual, classe social, e idade.
Mas todo mundo tem o direito de se livrar destes fantasmas e de ser feliz. E
foi o que eu fiz.
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E aí o café estava bom?