E não era Carnaval.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Este texto não é recomendado para menores de 18 anos por conter temática adulta. Tema: sexualidade, agressão, sexo, preconceito, e etc.

 Todo ser humano, independente de cor, orientação sexual, classe social, e idade, tem um segredo. Não importa o quão puro e honesto você seja. Sempre haverá algo sombrio guardado em seu imo. Acho que talvez isso seja da natureza humana. Não sei. Hoje eu contarei segredos. Meus segredos.
Há algum tempo atrás, num passado não distante, eu era um rapaz como outro qualquer. Tinha meus sonhos, minhas ambições, e claro, meus segredos.
Cresci numa família de fé, no meio de mais quatro mulheres. Sendo elas minha mãe, duas irmãs – uma mais nova e uma mais velha –, e minha avó.
Meu pai sempre foi um chucro, batia constantemente em todos nós, inclusive em sua mãe idosa.  Ele sempre me tratou como menina, me invalidava sempre que possível. Por eu ser franzino me humilhava verbalmente, me fazia motivo de chacota. Mas seu alvo principal era minha mãe. 
Ele gostava de “tomar umas” após deixar a fábrica e sempre chegava bêbado. Fedia a cachaça e cigarro, me lembro bem. Os olhos inchados e vermelhos, pequeninos, procuravam por alguém. A quem seus olhos recaíssem primeiro era também quem receberia os primeiro golpes. Geralmente socos e pontapés. Isso era uma rotina, até o dia em que eu me tornei maior de idade.
Quando completei dezoito anos decidi entrar para a Polícia Militar. Meu pai duvidou que eu conseguisse, mas mesmo assim o fiz.  Aos dezenove já havia entrado. Sem grandes esforços eu o expulsei de casa. Tornei-me arrimo de família. Respeitado e querido por todos familiares e amigos. E foi nesse mesmo momento de inversão da minha vida que eu descobri o que sempre temi: eu era gay.
Este sempre foi o meu maior segredo, mas com o passar do tempo e assumindo o controle da minha própria vida comecei a considerar mais a minha própria felicidade. Sempre vivi em função dos outros. Mas não podia botar tudo a perder, não com seu novo emprego e sendo o sustento de minha casa. E mais, se me assumisse como tal talvez nem fosse mais visto com os mesmos olhos que antes. Quem foi agredido tende a se tornar agressor. Minha mãe e avó eram extremamente preconceituosas, e homofobia se encontrava inserida.
Não. Não podia me assumir. O jeito era levar uma vida de negação. Eu encontrei a solução em minhas amigas do tempo de escola. Forjava namoros de fachada. Atendia bem aos meus propósitos. Ficava bem na família, e no batalhão também. Tudo ocorria de acordo com o plano. Até o dia em que ao me perguntarem sobre minha virgindade e assumi ainda tê-la intacta.
Os dias que seguiram minha confissão foram de total inferno. Piadas, chacotas, deboches, insinuações. E minha sexualidade fora posta em cheque. Minha camuflagem estava cedendo. Precisava de uma solução.
Comecei a pesquisar discretamente sobre como a homossexualidade era vista dentro da vida militar. E o que descobri fora tão chocante quanto já deve estar imaginando. A homofobia no batalhão tinha novo sentido. Era uma verdadeira guerra ideológica. A opressão com meliantes homossexuais era agressiva: humilhação em público, violência verbal e física. Um verdadeiro show de horrores. 
Descobri casos de ex-policiais que quando expostos sobre serem gays, foram atormentados até cometerem suicídio. Só no meu batalhão dois se mataram. Em outro caso o oficial teve que mudar para um batalhão em outro estado em sigilo máximo. Outro não aguentou e se resignou do cargo. Enfim, um ambiente hostil para um cara como eu, ainda mais em inicio de carreira.
O real problema era que eu havia me afeiçoado a minha profissão. Após três anos eu já estava completamente uníssono com o que fazia. Eu era bom, eu ajudava pessoas que como minha mãe não tinha como se defenderem sozinhas. Não podia sair do emprego que era o sustento da minha casa. Eu tinha que contornar a situação.
A solução apareceu espontaneamente com meu capitão. A sua fama o precedia. Conhecido por todos como “o comedor”, o capitão tinha sempre as melhores histórias para contar.  Um dia qualquer ele me abordou falando sobre o mesmo que todos diziam ao me ver, qualquer besteira sobre eu ser virgem ainda. Após zombar ele parou e me olhou. Considerou algo por alguns segundos e então me convidou:
-Que tal perder essa virgindade e de uma vez por todas e ser respeitado no batalhão?
Eu já estava tão farto das afrontas dos outros soldados que aceitei a proposta. Só não contava com o indecoro que seguiria. Ele me convidou a “comer” uma mulher da qual ele mesmo estava tendo relações, sua amante.
-Ela é a esposa de um médico. Acho que ela ficaria feliz em te fazer homem.
E assim ficou combinado. A tal esposa do médico iria resolver o meu problema imediato. Assim que eu transasse com ela as dúvidas sobre mim se calariam. Ou ao menos era com o que eu contava.
No dia combinado, após o trabalho, tomei um banho e me vesti. O capitão já estava me esperando no lugar de encontro. Entrei no seu carro e partimos para um motel onde a mulher já estaria me esperando. A única informação que eu tinha sobre ela era que ela era infiel. Não precisava de nada além.
Próximo ao motel desci do carro e entrei no porta-malas. O capitão não queria ser visto entrando num motel com um rapazola.
Já estava à porta. Meu coração batia como um tambor. As pernas bambearam, tremiam involuntariamente. Era dado o momento, onde eu em nome de tudo o que acreditava faria o meu maior sacrifício.
O capitão abriu a porta e eu entrei. Deitada na cama estava uma mulher nua, no auge dos seus quarenta anos. Toda despida com exceção do rosto. Ela vestia uma máscara de carnaval. Era negra e tinha plumas saindo nas laterais, e cravada de lantejoulas douradas no entorno. Acho que somente um gay para prestar atenção aos detalhes da máscara quando havia uma mulher nua na sua frente. Seu corpo era gordinho, como normal em uma mulher daquela idade. Pele clara, cabelos negros. Ela fumava. Só depois de passado o choque que eu me dei conta do que estava para acontecer, e acredite: eu não estava nada feliz.
Ouvi um pigarro e quando dei por mim o capitão estava logo atrás. Com os braços cruzados ele ordenou:
-Anda logo menino, tire a roupa.
Naquele momento eu já não compreendia o que estava acontecendo, e o que se seguiu até hoje pra mim é doloroso.
Quando pelado a mulher se aproximou, começou a beijar meu corpo, a me tocar onde ninguém jamais tocara. Puxou-me para a cama e começamos a nos beijar. O capitão por vezes dava alguma instrução, por outras alguma ordem. Ele participou ativamente em todas as etapas.
Na minha cabeça um turbilhão de coisas se passava. Sentia-me sujo, tinha nojo do que estava fazendo. Aquela mulher me violava, me descaracterizava. Quanto mais me tocava menos “eu” eu sentia em mim.  Aquela sombra no canto do quarto se tornou monstruosa. A voz do capitão soava como o coro de demônios, me tentando, me azarando. Podia ver o deleite em seus olhos. Ele, como uma ave carniceira, sentia prazer mórbido em me ver agonizando na cama. Mix de raiva, nojo, e tesão.
Transei com aquela total estranha por aproximadamente uma hora. A hora mais longa da minha vida, eu não sentia prazer, foi uma tortura. A humilhação dentro de mim não tinha precedente. Eu era um zero, não era ninguém. Me anulei de uma forma que não pensava ser possível. Me omiti. Sentia algo que me fez chorar. Uma emoção pesada, asfixiante.
Impaciente por eu não gozar, o abutre ordenou que eu saísse da cama. E começou a se despir. Entendendo o que viria pela frente me dirigi ao chuveiro.
Liguei a água no mais quente possível e tentei tirar de mim aquele cheiro. Esfreguei minha pele a ponto de machucá-la. Na minha boca o gosto da promiscuidade que nunca quis. O suor e saliva de quem não representa nada para ele. Por que tinha de ser assim?
Enquanto a água caía eu ouvia os gemidos abafados do capitão. Ele despojava da sua amante em volume alto deliberadamente. Queria que eu ouvisse o que estava fazendo, como se fazia.
Fiquei encolhido num canto do banheiro até que, como um porco, meu capitão finalmente estivesse satisfeito.
Ao me deixar em casa me olhou com malícia bestial e sorriu.
Passado a noite mais desgraçada que eu já tive, fui para o batalhão colher os frutos de meu maior sacrifício. Lá, todos riam e me abraçavam. Parabenizavam-me como se eu fosse um herói de guerra. Elogiavam e brincavam sobre eu ter me tornado homem. Mas nada daquilo apagava o meu sofrimento. Cada palavra dita eu sentia meu eu se afundar dentro de mim. Era como se eu estivesse submerso e não pudesse respirar. Todo aquele ambiente estava me matando.
Dentre as perguntas de como fora minha noite, uma pessoa me chamou atenção. Um soldado foi muito enfático em como seria a mulher com quem eu transara. As perguntas eram precisas. “Ela era assim? Ela era assada?” E eu sempre confirmava.
Passado uma semana como Deus no batalhão, minha vida finalmente se acertava. Ninguém mais levantava o assunto de que eu poderia ser gay. Tudo ocorria bem. Mas o soldado insistia em suas perguntas. E assim o fez até o dia em que me cansei e perguntei o por que dessa insistência. E foi quando ele me levou até a tela do computador onde um perfil do facebook estava aberto. E era ela, e mulher da máscara de carnaval, tinha que ser. Mesma pele, cabelo, porte. Era ela.
-É ela, mas o que é que tem? – indaguei desinteressado.
-Olhe atentamente. – sugeriu o soldado.
E lá estava seu relacionamento: casada com ninguém menos que o próprio capitão. Eu não havia apenas transado com uma mulher casada. O abutre me levou para transar com sua própria esposa.
Tamanho desgosto, nojo, descrença, se apoderaram de mim depois desse fato que eu decidi que minha felicidade precisa vir sempre em primeiro lugar. Deixei a Policia Militar e me tornei um civil qualquer. Assumi minha sexualidade na família e entre amigos, e fiz todos me aceitarem como sou.
Todo mundo tem segredos, independente de cor, orientação sexual, classe social, e idade. Mas todo mundo tem o direito de se livrar destes fantasmas e de ser feliz. E foi o que eu fiz.

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