Advertência: Este conto contém palavreado chulo e pode haver violência, descriminação racial, dentre outras formas de agressão.
Esse conto não expressa a opinião do autor sobre nenhum dos temas abordados.
Sangue negro
A chuva que estava caindo naquela
noite de março era de grande intensidade. Os longos dias de calor que se
seguiram formou sobre os céus de Belo Horizonte um teto escuro, impenetrável. O
sol não apareceu naquele dia, e a
torrente violenta caiu ao anoitecer. O Sr. Jairo, porteiro e zelador do
edifício Dona Vicentina, teve que parar de ler seu jornal por alguns instantes
para jogar a água que entrava pelo saguão para fora. Com empenho, o preto velho
conseguiu secar o chão, e logo tratou de fechar a portaria.
Sem pressa
voltou-se ao seu barato jornal diário. Em letras garrafais, na capa do
noticiário impresso de péssima qualidade, estava escrito a notícia da semana:
“MAIS UMA
MULHER É ENCONTRADA MORTA NA CAPITAL MINEIRA.”
O velho nem
se deu ao trabalho de ler as letras miúdas, já estava acostumado à violência da
capital. Não queria saber que se era dona de casa ou prostitua, se o
assassinato fazia parte de uma série ou não, nem mesmo quem era a pobre
coitada. Para ele não fazia nenhuma diferença. Menos uma, apenas isso, afinal
todos morrerão um dia.
Batidas
fortes na porta de vidro tiraram o olhar distraído do velho sobre seu jornal.
Havia pessoas do lado de fora, provavelmente a nova moradora do 302, que mudara
ainda naquela manhã. Sim, o Sr. Jairo recebeu a mulher e suas duas filhas
ajudando-as com as sacolas de compras. Elas estavam ensopadas, e molharam todo
o chão que a pouco fora meticulosamente enxuto. Um pouco irritado com a nova
bagunça, Jairo sorriu forçadamente para os agradecimentos feitos pela mulher e
com impaciência tocou as moradoras para cima, pedindo que não se importassem
com a bagunça. O velho zelador deixou-as a porta do apartamento e saiu
apressado para limpar o seu hall.
-Gentil esse
Jairo, não? –indagou a mãe.
-Abre a porta
mãe, eu to morrendo de frio! –pediu impaciente a caçula, Manu.
As três
mulheres entraram e trocaram de roupas, deixando as molhadas sobre o tanque
antes vazio. Na verdade vazia estava a casa. Carla, a mãe de Ingrid e Manuela,
havia brigado com seu marido, e pedindo divórcio deixou a velha casa levando
apenas suas filhas e as roupas do corpo. Esta professora ainda contou com a
ajuda de seus pais, que doaram para ela um fogão velho e alguns colchões. Seu
irmão também colaborou com a rápida mudança, levando para o novo lar um
frigobar que ele comprará para ela e uma cômoda velha, para que ela guardasse
suas roupas.
Carla era
uma negra de vigor com seus 36 anos. Cuidava da casa, do até então marido, das
filhas, e de seus alunos, os rebeldes do ensino médio. Ela dava aulas de
português numa escola pública do estado e ganhava uma mixaria. Mas ela não
queria depender de ninguém, e ainda achava muito nobre sua profissão, apesar de
todos os problemas intrínsecos a ela. Quando sentiu que não dava mais para
continuar vivendo sobre a sombra do medo de seu violento marido, ela tomou
coragem e partiu mudando-se para o edifício Dona Vicentina, um velho prédio no
bairro Pompéia.
“A polícia
afirma que não há provas de que esse seja o caso de assassinatos em série, e
insiste que são apenas manchetes para vender jornal. O caso da moradora do
bairro Pompéia que desapareceu foi dado como encerrado após constatado que a
dona de casa havia deixado uma carta de abandono, na carta...”
-Desligue
esse rádio Ingrid, já não bastam as nossas próprias desgraças. –repreendeu
Carla.
A menina que
estava procurando por sua estação favorita, havia parada por curiosidade na
notícia, se frustrou ao ter que desligar o aparelho. Mas sabia que a mãe andava
muito nervosa, e que por isso não deveria afrontá-la. Desligou o rádio e foi
mexer nas sacolas das compras.
-Mãe, eu to
com fome.
-Vou
preparar alguma coisa pra nós comermos, vai distrair sua irmã. Ela esta triste
por ter deixado nossa antiga casa.
Carla
preparou uns sanduiches e após todas terem comido, ela pos as filhas para
dormir. Aquela sexta feira de mudança havia deixado a família cansada. Carla sabia que muita coisa ainda estava por
vir, e decidiu encarar um problema por vez. Amanhã ela procuraria um advogado
para correr os papeis da separação. Queria se desvincular rápido do homem que a
agrediu duas vezes por causa de ciúmes. Após ter certeza de ter trancado as
portas, aquela negra de força desmanchou sobre o colchão jogado ao chão. Naquela noite, nenhum noticia ruim tiraria seu sono.
1 comentários:
Bem escrito, mas ainda não me chamou a atenção. Não teve nenhum evento para manter o suspense. Mas vou ler o próximo. O blog tá show
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E aí o café estava bom?