Fausto Justo, o estagiário da Justiça: Conhecendo o Paraíso.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Trabalhar com a Justiça não é nada fácil. Ela é muito temperamental, imprevisível, e ao contrário do que os humanos costumam dizer; ela não é nenhum pouco imparcial.

Veja só eu falando da minha chefa e humanos como se voê já estivesse a par destes temas. Deixe-me contar um pouco sobre mim e te introduzir a minha fantástica profissão para que você possa ler isso com alguma segurança – se bem que eu não sei se você vai entender de qualquer maneira...
Enfim, meu nome é Fausto Justo, tá, eu sei que é muito sugestivo, mas é o único que tenho. Eu faço estágio com a Justiça, a deusa mesmo, e obviamente o que eu faço é cuidar da justiça na Terra. “No planeta todo?”, você deve ter se perguntado. Claro que não! Estagiário é vitima de trabalho escravo em qualquer lugar, mas veja que se um mero estagiário fizesse tudo sozinho não seria “justo”, e dessa forma a justiça se contradiria em si mesma. Ok, isso foi complexo.
Para não falar de coisas que você ainda não conhece vou te contar a origem, como que eu fui parar neste emprego nada convencional, até mesmo para um deus.
Sempre fui grande apreciador da justiça, mesmo sabendo o quão subjetiva e digna de contradições que ela era. Eu adorava assistir um programa que passava na TV que todos os dias apareciam casos de humanos, e tinha um mediador super cult que falava umas coisas bonitas, meio filósofo, era ótimo. O nome eu não me lembro, acho que era “casos de alguma coisa”, mas não importa.
Eu sou um deus menor, na verdade por menor eu quero dizer: menor dos menores. Mesmo assim, pequeno, eu almejo me tornar alguém, e as promoções estão aí para isso não é verdade? Com este sonho e a paixão pela justiça humana eu decidi me candidatar a trabalhar para a Justiça.
Fiz um currículo, que não tinha lá grande coisa, e parti para o edifício Paraíso. Este prédio era onde ninguém menos que os chefões, os grandes deuses, “trabalhavam”. Lembro-me como se fosse ontem, aquelas portas giratórias de vidro, o cheiro de deuses ricos e bem sucedidos, todos bem vestidos e apressados. Ai... Muito bom. Enfim, só de estar ali para uma entrevista era um sonho que se realizou.
Já no elevador até a música era diferente, o som agradável das melodias angelicais. Nele subi até o penúltimo andar onde todos os deuses fodões ficavam. Lá  estavam por exemplo: Razão, Morte, Tecnologia (sou fã dela), Fé, Guerra, Tempo, dentre tantos outros, inclusive a minha chefa.  Acima deste andar encontrava-se ninguém mais ninguém menos que o J.R.R. Tolkien! Brincadeira, por favor, não me leve a sério. No último andar estava o Todo Poderoso, Pai, Deus, entre tantos outros nomes que vocês já devem conhecer.
Atravessei o longo corredor passando em frente aos grandes portais que levavam aos respectivos escritórios de seus deuses. Parei ao encontrar uma porta cinzenta com a numeração indicada para o escritório da Justiça onde se lia escrito sobre o arco:

“A Justiça NUNCA falha.”

Logo abaixo dessa frase eu pude ler com algum esforço letras miúdas, que seguiam  assim:

Mas tira férias quando quer.

Sabias palavras, confesso que me senti extremamente inspirado.
Entrei. Dentro, me senti aturdido com a limpeza e organização que se mostrava na recepção. Ali todas as paredes eram brancas, tal como o piso. Havia um balcão no centro com pedra de mármore negra, e atrás dele estava sentada uma deusa, muito gatinha por sinal, da informação.
-Nome? –indagou aquela belezoca.
-Fausto Justo – respondi com pompa.
Ela digitou algo no seu iPad e indicou uma outra porta.
-O Sr. Justino será o seu entrevistador, ele o aguarda ao lado. – disse-me ela de maneira automática.
-Obrigado, gracinha. – saí dando uma piscadela no meu melhor estilo galanteador.
Na outra sala mais um choque, eu esperava que ali já fosse desorganizado, com pilhas de documentos sobre mesas, ventiladores de teto e percianas velhas, e cigarros acessos nos cinzeiros decorando o ambiente. Nada disso. O lugar parecia aquelas salas planejadas de revista de decoração; moveis lindos e novos combinando em cores, lustres no teto, sofás confortáveis. Um verdadeiro sonho.
De pé no meio da sala, trajando um terno verde, com cabelos e bigodes ruivos, estava o deus que seria meu subchefe, ou melhor, o cara que tinha carta branca da chefona. O manda chuva. Esse era Justino, um carinha enjoado até não poder mais. Devia estar no cargo há uns 500 anos, experiente e cansado, odiava tanto o seu trabalho quanto os seus funcionários. Mas isso nunca o fez trabalhar menos ou pior. Dizem que ele era apaixonado pela Justiça, e que por isso se mantinha firme no emprego infernal.
-Bem vindo. – disse sua voz desgostosa.
Eu acenei positivamente com a cabeça e sentei-me num dos sofás como ele me ordenou.
-Eu li seu e-mail com o anexo de seu currículo. E devo dizer que você não esta qualificado para nenhum cargo aqui.
Até pensei que eu realmente tinha ido sem necessidade até lá, quando ele me oferece a luz:
-Exceto um.
Ainda bem que eu não verbalizei nenhum dos palavrões que vieram a minha cabeça no  momento anterior.
-Qual? –perguntei ávido por alguma notícia.
-Então, você bem deve saber que a justiça na Terra é algo bem complicado, mas não impossível.  Os agentes que se estabilizaram nos países como a Suíça, Japão, e Nova Zelândia, estão felizes e não trocam seus postos nem a pau. Afinal a justiça por lá é facilmente aplicada. Existem países em que nós nem atuamos devido a alguns acordos. Se você estudou um pouquinho que seja sobre a história da justiça deverá se lembrar de que por pura comodidade nós havíamos entregado inteiramente a justiça nas mãos dos cristãos, melhor dizendo a Igreja. E tudo ia perfeitamente bem, tranquilo, até que um povinho decidiu que não queria mais ser dominado por nenhuma religião. E aí, como você bem deve saber, nós tivemos que retomar o controle de parte da justiça.  Agora existem países que a situação esta vergonhosa pra gente, e são justamente nos países com grandes índices de injustiça que os nossos agentes velhos de casa não querem ir. O que você me diz de fazer um estágio em algum desses países?
Confesso que eu me senti meio desanimado, eu tinha pensado em ficar em algum país mais tranquilo, e tal, mas já que eu não tinha a escolha, era pegar ou largar. E eu peguei.
-Aceito, claro!
Justino deu uma risada tão debochada que eu pensei ter feito uma escolha ruim.
-Que bom ouvir isso meu jovem. Vejamos qual país... –disse ele procurando em seu tablet.
-Puta que pariu minha sogra celeste! –gritou um deus saindo tempestuosamente por uma das portas da sala.
Era um cara gordo, com papas em seu pescoço curto, o rosto suado. Ele vestia um suéter vermelho e tinha pendurado no canto da sua boca um charuto cubano.
-O que aconteceu agora, Franco? –indagou impacientemente, Justino.
-O que você acha? Brasil, é claro! – reclamou o gordo agitando as mãos no ar – Eu não to aguentando mais chefe, eu preciso de mais gente lá. Pessoal acha que o problema de lá é só a corrupção dos políticos. Antes fosse só isso! A merda lá é que tem muita gente seguindo os “bons exemplos”.
O Sr. Justino olhou maliciosamente para mim, e imediatamente eu entendi. Era pra lá que eu iria.
-Arrume suas coisas, você vai conhecer o país do samba.  –disse ele dando tapinhas nas minhas costas.
Bem amigo, eu sabia que seria difícil, mas eu estava bem disposto.  Voltei para minha casa pensando em como seria legal ir para o Brasil. Fiquei a noite inteira assistindo vídeos num website da Terra chamado You Tube. Meus estudos sobre os brasileiros haviam começado, e para melhorar o meu desempenho eu estava disposto a fazer qualquer coisa.
Era realmente uma pena que eu não poderia trabalhar lá mesmo, no edifício Paraíso, o lugar mais lindo e cheiroso que eu já fui. Mas fazer o que, vida de estagiário é assim! O problema é que eu não fazia ideia da merda que eu ia encontrar por lá. Mas isso é assunto para outro dia.

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E aí o café estava bom?