Ao sair da faculdade Paulo decidiu comprar uma flor para sua namorada. Ele encontraria Andrea naquela noite. Ele estava muito feliz, era sempre assim quando ia de encontro a sua amada. Estavam juntos há quase dois anos, se conheceram assim; ao acaso, coisa da vida. Um dia foi “oi”, num outro qualquer “eu te amo”. Dizem que o amor é assim mesmo, avassalador. E com ele não foi diferente.
Caminhou cantarolando com sua florzinha em mãos, só parou frente à portaria do prédio. Tocou o interfone e esperou que ela abrisse o portão. Subiu os vários lances da escada pensando sobre um trabalho que tinha de apresentar ainda naquela semana. A porta estava aberta, como sempre, e Andrea na porta vestindo seu pijama. Paulo entrou dando um beijinho na namorada.
-Trouxe essa flor para você! –disse carinhosamente.
-É linda – disse ela pegando a flor e colocando-a de lado sobre a mesa.
-Nossa, eu to com uma raiva daquela velha trambiqueira!
-Ela ainda não deu aula?
-Nada! Só fica enrolando na sala de aula. Dando um risinho de bruxa velha. A nem Andrea, tá osso viu... -reclamou sentando-se no sofá, o bom e velho sofá da sala.
-Cê quer alguma coisa?
-Não, já comi.
-Paulo.
-Oi?
-Eu preciso falar com você uma coisa...
-O quê? Eu fiz alguma coisa? Eu não gosto dessa coisa de “ter que falar”.
-Não, não. Você não fez nada. – respondeu de acordo com o planejado, ela passou a mão sobre o cabelo do seu namorado e sentiu pena por um instante.
-Então o que foi?
-Eu acho que não gosto mais de você.
O silêncio se fez presente. Paulo sabia que não havia feito nada de errado, o que tornava incompreensível aquela frase.
-Como?
-Eu não sei. Eu só não sinto mais o que eu sentia antes.
-Você tá terminando comigo? –perguntou ele cessando o carinho na cabeça.
-Eu não sei, acho que é isso.
-O que está acontecendo?
-Já disse que não sei! Eu to estudando de mais, minha vida esta voltada para a minha carreira. Eu não consigo mais situar “nós” nela. Você entende?
-Entender? Andrea, você vai jogar fora quase dois anos de relacionamento assim? Do nada? Por nada?
-Por nada? Como assim? Claro que é por algo! Por mim, oras.
-Mas isso é egoísmo! Você não esta me levando em consideração em momento algum. Então é assim?
-Eu já vinha pensando nisso a muito tempo, Paulo. Eu gosto de você, adoro estar com você! Mas a vida não pode ser simplesmente isso, estar junto por estar. Eu quero me sentir viva, e entre nós isso não tá rolando. Somos o típico casal de namorados que não sabem dar um peido sem que o outro esteja perto para cheirar! Pra mim já deu.
-Então você só quer espaço? Porque isso eu posso te dar! Não precisamos ficar tão juntos.
-Não é isso, não é espaço que eu quero.
-Então o que é? Vamos conversar. Tenho certeza que descobriremos uma solução.
-Não, Paulo.
-A qual é, você não quer nem tentar? Você não tinha feito nenhuma reclamação até hoje, e já quer terminar de uma vez por todas?
-Bem...eu...Ai, eu não sei. Eu só estou expressando o que eu sinto, ou melhor, o que eu não sinto por você.
-Você se apaixonou por alguém?
-Não. Não tem nada a ver com isso.
-Fale a verdade.
-Não é isso! Eu não preciso ficar pulando de galho em galho, você não me entende.
-Agora eu não te entendo? Antes eu era a única pessoa quem te entendia, e hoje eu não te entendo?
-Você me entendia, no passado. Minha cabeça mudou muito, Paulo.
-Quando foi isso que eu não vi? O que esta acontecendo? Eu não estou entendendo.
-Olha, não dá mais. É isso.
-Você precisa de espaço. Quer repensar sua vida. Ta querendo focar na carreira. Eu te entendo.
-Não é nada disso. Eu não sei explicar, só sei que não quero mais isso...
-Isso? Eu não fui bom o suficiente para você? Você não se sentia feliz comigo?
-Me sentia sim, só que não mais. Eu não sei algo se apagou.
-Venha aqui, vamos dar uma chance, nós podemos fazer diferente. Eu posso mudar.
-Não, Paulo. Eu não quero tentar nada. Por favor, me deixe sozinha.
-Você é maluca! O que esta acontecendo? Fala comigo!
-Não grita comigo! Eu não sei o que eu quero, mas sei o que eu não quero. Eu não quero mais você, me respeite.
-Isso não é jogo de um só, eu também estou aqui. E eu? Como eu fico? Andrea eu te amo!
-Ama nada, a gente tá é se enganando. Eu não sou a donzela que espera por um príncipe, Paulo.
-Não faz isso... Eu passei tanto tempo procurando por você, eu fiquei tanto tempo na solidão. Não me deixe Andrea.
-Desculpa.
Os dois se abraçaram, os olhos minando água. A mistura de sentimentos, a dor de ambos pela perda. A perda de uma identidade, a perda de um sentimento, de um amigo, de um lugar, de um balanço, a perda de alguém.
-Não me deixe. Não me deixe.
-Paulo, eu não posso fazer isso. Não seria bom pra nenhum de nós. Para eu te fazer feliz, eu preciso estar feliz. E eu não estou.
-Não faz isso comigo. –Paulo caiu ao chão entre soluços e choramingo. A sua dignidade, seu moral, seu orgulho, postos de lado. Ele era uma criança.
-Não faça você isto comigo. –pediu ela segurando ele delicadamente pelo queixo, levantando sua cabeça – Não precisa ser assim. Eu ainda gosto de você.
-Então fica comigo! Por favor, eu vou melhorar, vou ser melhor com você!
-Mas você não fez nada de errado. Nada errado! Sou eu, eu preciso que você saia para eu me encontrar. Não me reconheço mais.
-Não, não. Andrea, só eu posso te fazer feliz, você vai se arrepender.
-Acontecerá o que tiver que acontecer. Posso me arrepender sim, mas é um risco que eu pretendo correr. Agora saia, Paulo. Chega você esta me deixando mal.
-Eu estou te deixando mal? –a fúria tomava conta do jovem rejeitado – Você é uma cretina egoísta! Como eu pude me apaixonar por alguém como você? Na primeira dúvida me chuta como um cachorro. Andrea, você não deveria ter feito isso!
-Você esta me ameaçando? Saia agora!
-Não faz isso, vamos nos ajeitar. Não é isso que todo casal faz? Brigam sempre, mas acabam percebendo que precisam uns dos outros.
-Paulo saia, por favor.
Ele ficou de pé, e esfregou os olhos vermelhos. O ódio que sentia, mesclado de amor, estava expresso no seu olhar. Não adiantariam palavras, Paulo não entenderia jamais o que Andrea queria. Ele balançou a cabeça negativamente e saiu pela porta do apartamento, batendo-a com violência.
Após ver seu ex-namorado sair, Andrea se desfez sobre o sofá. Ela sabia que havia feito o certo, não poderia sustentar aquela situação. Paulo era bom de mais para ela, ele merecia de fato alguém melhor. Mesmo merecendo, não era o que ele queria. O que ele queria era apenas a sua namorada de volta. Apesar de saber que fora uma completa idiota com o ex-namorado, que culpa tinha ela por se apaixonar por outra pessoa? Não foi por maldade, não foi intencional, mas o amor tem dessas coisas, acontece do nada. Um dia foi “oi”, num outro qualquer “eu te amo”. O amor ainda existe muito forte, após morrer entre o casal ele se transmuta para memória. Ele se torna imortal. Em memória Andrea sempre amará Paulo, que ironicamente a amou de verdade, mas em memória a eternizou em ódio. Duas faces da mesma moeda que nunca se encontrarão.
3 comentários:
Maravilhoso, amei amei amei !
Muito bom, muito bom mesmo! Parabéns Muringa!!! Resumindo.... Ficou bom pra caralho!
Muito bom!! Adorei! "Muringa" Deu até vontade de ir na cafeteria de verdade!
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E aí o café estava bom?